Mudança gera debate sobre descaracterização da modalidade, que é uma das mais tradicionais do programa dos Jogos
As imagens de um cavalo sendo agredido durante a Olimpíada de Tóquio rodaram o mundo, e as consequências disso respingaram em uma das provas olímpicas mais tradicionais: o pentatlo. Nesta quinta-feira, a União Internacional de Pentatlo Moderno (UIPM) anunciou que a equitação não fará mais parte da modalidade após a edição de Paris-2024.
Depois de mais de um século tendo seus participantes competindo em cinco esportes (corrida, tiro, esgrima, natação e equitação), o pentatlo moderno abandonará o salto equestre. A decisão veio depois que dois membros da equipe olímpica feminina da Alemanha foram acusados de maltratar um cavalo nos Jogos Olímpicos de Tóquio.
De acordo com a entidade, um processo de consulta de especialistas será feito para encontrar um esporte substituto adequado. O jornal britânico “The Guardian” apurou nesta semana que a opção mais cotada é o ciclismo. A pentatleta brasileira Yane Marques, medalhista de bronze em Londres-2012, disse que reconhece o esforço de tornar o esporte menos oneroso para a organização, mas acredita que a mudança desconfigura um pouco a modalidade.
— Acho que o hipismo tem um diferencial no dia da prova. O ineditismo, o desconhecimento do animal, testa nossas habilidades, nossa capacidade de adaptação, e isso é um pouco do pentatleta. Coisas que no ciclismo a gente talvez não tenha. Entendo que talvez seja uma medida para simplificar, porque a organização da prova do pentatlo é muito complexa e a parte dos cavalos é a mais de todas. A gente tem que aceitar algumas mudanças que são pela manutenção do esporte — afirma Yane.
Vice-presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado do Rio de Janeiro e membro da Academia de Medicina Veterinária do estado, Diogo Alves reforça a complexidade de se lidar com animais deste porte em um esporte profissional e destaca a importância do acompanhamento profissional adequado para eles também durante as competições.
— Os equídeos exigem atenção peculiar e individual, com cuidados rigorosos, como treinamento, fluidoterapia, fisioterapia, tratamento de imunidade, alimentação, adequação ao ambiente, transporte, exames periódicos, medicação, quarentenas e cautela em relação ao comportamento e ao estresse.
Acusação de maus tratos
Um dos primeiros esportes olímpicos, o pentatlo foi criado pelo Barão Pierre de Coubertin, inspirado nos soldados da cavalaria do século XIX. A modalidade entrou na agenda olímpica dos Jogos da Era Moderna em Estocolmo-1912. Com a tradição mantida por mais de um século de demonstrar todas as aptidões físicas, o pentatlo tem sofrido com a falta de popularidade fora da Europa, e nos últimos anos tem havido vários esforços para de fato modernizar a modalidade.
Mas para Paulo Franco, treinador da Equipe Brasileira Militar de Salto, a retirada do hipismo do pentatlo descaracteriza a origem do esporte.
— O problema não é o hipismo, mas a competição precisa de alguns ajustes. A equitação não pode ser tratada como esgrima ou tiro, por exemplo. É uma prova que tem um animal envolvido. Na minha opinião, o atleta deveria ter uma certificação ou um índice mais elevado para poder competir no hipismo no pentatlo. A prova não é só sobre se segurar em cima de um cavalo — afirma.
Ao contrário das competições equestres padrão das Olimpíadas, os competidores do pentatlo recebem cavalos aleatoriamente para montar, em vez de usar os seus próprios. Em Tóquio, isso levou a acusações de abuso depois que a pentatleta alemã e candidata à medalha Annika Schleu recebeu um cavalo teimoso que se recusou a pular um dos obstáculos. Sua treinadora, Kim Raisner, aparece em vídeo socando o cavalo, enquanto Schleu foi acusada de açoitá-lo excessivamente. A atleta negou a acusação. Sua técnica foi expulsa dos Jogos.
Além deste incidente, o sacrifício de um cavalo ferido em uma prova de hipismo em Tóquio levou alguns ativistas dos direitos dos animais a convocar o Comitê Olímpico Internacional para remover os esportes equestres do programa olímpico.
— Eu não sou a favor da retirada do hipismo dos Jogos, mas acho que colocar uma bancada de ativistas e representantes de ONGs dentro desses esportes para pelo menos lutar pelos direitos dos animais e ser a voz deles, seria uma boa opção — contrapõe Grayce Taranto, presidente da ONG de proteção animal Eu Sou Testemunha de Golias, do Rio de Janeiro.
Fonte: O Globo