Uma vida dedicada aos cavalos fazendo história no hipismo brasileiro e internacional. Helio Pessoa, 80 anos recém completos, fala de suas atuais atividades atuais, trajetória e projetos. A família dispensa apresentações. Nelson Pessoa Falcão Pessoa e sua esposa Antonieta tiveram quatro filhos: Nelson, o Neco, Helinho, Lybia e Maá. Neco, pai do campeão olímpico Rodrigo Pessoa, mora na Europa e Hélio, que atuou em temporadas no Exterior, reside no Rio de Janeiro, onde sua segunda casa é a Sociedade Hípica Brasileira. Confira a entrevista para o portal da CBH.
Neco e Helio Pessoa desembarcando cavalos no porto de Genova, Itália, após longa viagem de navio, nos anos 60
Você recém completou 80 anos e esse ano também lançou uma rede social com fotos históricas da sua carreira. O que te levou a aderir ao instagram?
Helio Pessoa. Daniela, minha única filha, é designer e tem muita familiaridade com esses aplicativos. Os acho fantásticos, porque em segundos atingimos milhões. São os antigos álbuns de fotos, que a tecnologia nos permite hoje preservá-los para o futuro. Meu neto, bisnetos e outras gerações terão acesso ao que fiz. Fiquei surpreso com esse presente de Daniela e, sobretudo, muito feliz.
Vendo os posts em sua rede social @helio.pessoa.hipismo , fica a pergunta se pensa em lançar um livro com imagens e fatos de sua carreira?
Helio. Tenho muitos planos. Dentre esses, coletar as dezenas de entrevistas e matérias das quais participei para agregar a esse trabalho da Daniela. Me sinto ainda jovem e com muita vontade de passar minha experiência para essa garotada que ama o hipismo e, principalmente, o cavalo. Meu pai sempre dizia a mim e ao meu irmão: aprenda sempre, escute quem sabe e transmita o melhor de vocês.
A paixão pelo hipismo começou na infância. Quem foi o maior incentivador para você e o Neco montarem?
Helio. Meu pai: Nelson Falcão Pessoa. De personalidade forte, não transigia com a mediocridade. Em tudo o que trabalhou, colocava tenacidade, vontade férrea, clareza nos objetivos a serem atingidos. Tinha uma personalidade difícil, porém me recordo que todos o admiravam. Foi grande exemplo para mim, Neco e minhas irmãs.
Família Pessoa nos 1950 (esquerda para direita): as irmâs Lybia e Maá, o pai Nelson, a mãe Antonietta, Neco e Helio
Os primeiros mestres são sempre importantes. Quais foram se treinadores mais importantes?
Helio. Sempre fui muito observador, principalmente daqueles de notório saber da minha época como os militares de Cavalaria como Eloy, Renyldo, Magalhães, Rabello, Monzon. No Club de Regatas Flamengo ( lá havia Hipismo!) meu instrutor foi o Cel. Paquet.
Helio no antigo Centro de Hipismo do Clube de Regatas Flamengo, na Gávea, treinado com Samurai, em 1960
Posteriormente, na SHB, o Paschoal Arp e o Dr. Hermes Vasconcellos muito me aconselhavam. E, claro, meu irmão Neco. O argentino Hugo Miguel Arrambide Outro também foi muito importante pra mim. Ele me chamava atenção para os saltos ao trote, o contato permanente com o cavalo e a fixidez das pernas.
Os irmãos Helio e Neco na Sociedade Hípica Brasileira, na década 1990
Você segue em plena forma armando percursos. Como está vendo o nível do hipismo brasileiro, especialmente também da nova geração?
Helio. No topo, no alto nível, está indo muito bem. Há talentos jovens nos Grandes Prêmios Internacionais, na Europa e América, ao lado de investidores fortes, que suportam as demandas notórias do Hipismo de alta performance. Tudo isso foi resultado de períodos onde houve por aqui pujança na base.
A cada grupo de 100 promissores iniciantes, emergem 2 ou 3 fora de série. Em qualquer esporte. De cada lote de 100 novos animais promissores, 2 ou 3 chegam ao topo. É uma “estrada” difícill.
Vejo hoje essa base enfraquecida, por várias razões. Debito isso à inexistência de um programa nacional mais amplo com esse foco que considere a capacitação de instrutores,com exigentes avaliações, estímulos aos pequenos Centros de prática de Hipismo no interior ou até mesmo nas Capitais dos Estados, desoneração de custos na manutenção, aquisição de animais e na realização de competições nas categorias de base. Além da implantação de um sistema de avaliação de aprendizado em paralelo à criação de premiações que despertem o interesse dos jovens e de seus respectivos instrutores. Um exemplo é o que existe na América com as Finais da MacLay.
Outro exemplo mais próximo são as Olimpíadas de Matemática no Brasil, matérias de grande repercussão na mídia e que atraem milhões de crianças para uma matéria até a pouco considerada inóspita. Bons exemplos é o que devemos seguir, não é mesmo?
São muitos os seus feitos no hipismo em pistas nacionais e internacionais e você também montou na Europa nos anos 60 e 70. Por favor cite algumas conquistas mais importantes tanto no Brasil como no Exterior.
Helio. Nos anos 60, estreei nas grandes competições no Brasil e também no continente europeu, que visitei regularmente levando, por navio, vários animais de competição exportados para destinos como Holanda, França, Suíça, Itália e Bélgica. Nos anos 70, obtive centenas de vitórias e classificações em Concursos nacionais e internacionais no Brasil e no Exterior. Destaque para as vitória no Grand Prix “JUBILEU de PRATA da CBH”, no Grand Prix “ ANIVERSÁRIO da SOCIEDADE HÍPICA BRASILEIRA”.
Helio com a égua Anaconda e Neco com Meaulnes na abertura do Concurso Internacional La Baule, na França, no início dos anos 60
Como treinador, tive dois grandes momentos nos Jogos Olímpicos de Munique. O 1º com os bons percursos de minha aluna – a amazona Françoise Thiry, que acalentava o sonho de participar em uma Olimpíada e o fez muito bem; e o 2º, com o Flipeer, cavalo de propriedade de Vittorio Orlandi, que treinei e ganhei várias provas, montado pelo português Francisco Caldeira. O conjunto vinha muito bem no Grand Prix Final – como nas provas anteriores – mas Caldeira não seguiu minhas orientações e teve dificuldades no triplo. Pagou pela teimosia.
A partir de 1980, me fixei no País, dividindo minhas atividades como cavaleiro de competição em alto nível, treinador de ginetes e de cavalos de salto, orientador e consultor de criadores da então nascente criação nacional do Brasileiro de Hipismo e, não bastasse, course designer. Nas competições, tive 1ºs lugares e classificações em Concursos Estaduais e Nacionais, por todo o País, levando por diversas ocasiões aos pódios animais então desacreditados. Fui o mentor e executor do Programa “ Com um Sant’Anna é Mais Fácil Vencer”, programa com sede no Manege Sant’Anna do Vale, no interior do Estado do Rio de Janeiro, que em dois anos transformou um lote de puros-sangues ingleses, adquiridos a baixo preço no Jockey Club do Rio de Janeiro, em animais de alto valor no mercado de cavalos de salto.
Hélio em uma de suas inúmeras conquistas
Também orientei inúmeros cavaleiros mirins e juniores, que se tornaram destaques como seniores, a exemplo de Cláudia Itajahy e Rodrigo Lima. Já no “Course Designing”, após credenciamento oficial pelo celebrado Arno Guego passei a desenhar percursos por todo o País e também na América do Sul, América Central , em Portugal e Espanha.
Outra experiência marcante foi minha estadia na Guatemala a convite da família Tejada em parceria com a Federação de Hipismo Guatemalteca. Parceria longeva, de 13 anos. Nesse período, dei muitas clínicas por toda a América Central, obtivemos um 6º lugar como treinador da equipe da Guatemala no PanAm – Rio 2007 e a prata nos Jogos Centro Americanos – Caribe 2006,
A Sociedade Hípica Brasileira é sua casa e nos últimos anos ganhou picadeiro coberto e outras importantes melhorias. Como você vê atual momento do clube? Para você pessoalmente em poucas palavras o que a Hípica significa?
Helio. A Hípica foi fundada por sonhadores, por amantes do Cavalo e do Hipismo. É Patrimônio da Cidade, material e imaterial. Porque cada tijolo, cada janela, cada árvore, representa um pedaço da história da Cidade. Imaterial, porque quem a frequenta tem o privilégio de respirar todos esses sonhos que a fizeram nascer. Sempre que atravesso o portões do Clube, cada passo que dou me remete a esse passado. Acho que nossos dirigentes devem ter profundo compromisso com essa História. Andar para a frente, mas olhando para trás.
Helio montando Pitagoras, de propriedade de Constantin Papantonakis, na Sociedade Hipica Brasileira, final dos anos 70
Sem dúvida, o hipismo é um esporte que une a família e o amor pelos cavalos passa de geração. Seu irmão Neco e sobrinho Rodrigo Pessoa dispensam apresentações e estão entre os ícones máximos do hipismo mundial. Comenta um pouquinho sobre essa paixão em comum.
Helio. Guardo lembranças de todos os cavalos que montei e treinei. De todos. Difíceis, espetaculares, generosos e assim por diante. De todos. Essa é a magia do nosso esporte. Única, porque o esporte equestre é único, qualquer que seja a modalidade. Nasce conosco e persevera.
Helio e Alterneiro em treino no Campo de Mayo, em Buenos Aires
Em recente entrevista você falou da importância de criar uma licença para cavaleiros e amazonas competirem como já é feito em outros países. Qual a importância disso para elevar o nível e evitar riscos no esporte?
Helio. Simples. Inexiste ensinar, capacitar, sem avaliar. É um dogma de qualquer campo do conhecimento. Ora, só pode saltar obstáculos quem domine o básico, os fundamentos. Sobretudo em esportes de risco, como o nosso. Vocês podem imaginar uma criança competir em uma piscina, sem saber nadar?
Os irmãos Neco, Hélio, Raul de Lara Campos (à direita) e Cel Schedeler (à esquerda) em Lausanne, Suíça
Helio com querida amiga e amazona Rita Bezzera de Mello (in memoriam) e José Paulo Amaral, grandes amigos de toda vida, no Rio de Janeiro em 2011
Você vem ministrando Clínicas. Por favor deixe uma mensagem para quem está começando no esporte e também para toda comunidade.
Helio. Espero continuá-las por muito tempo. Meu exemplo é Neco, até hoje sonhando em aprimorar talentos, cavaleiros e cavalos promissores. E também sigo a canção do Toby Keith, compositor de Country Music, que – ao perguntar ao Clint Eastwood o que o impulsionava aos 80’s – recebeu dele a frase “ não deixo o Velho entrar” . E compôs essa belíssima canção. Cito sempre para os iniciantes e também para meus alunos nas clínicas: “no Hipismo, na relação com o Cavalo, o mínimo de conflito, o máximo de harmonia.”
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Imprensa CBH com colaboração Heraldo Grillo e Daniela Pessoa