sexta-feira, 8/novembro/2024
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Passaporte Olímpico: com Genfly e Goliath protagonistas, hipismo do Brasil busca evolução em Tóquio

“O cavalo é o atleta principal, é 70% do conjunto”, diz cavaleiro brasileiro que disputará CCE nas Olimpíadas. Com pouco suporte do COB, atletas confiam em bom resultado, mas chance de medalha é pequena

Genfly e Goliath serão os representantes do Brasil em uma das provas mais tradicionais dos Jogos Olímpicos. Esses nomes pouco comuns no nosso país são os dos cavalos que serão montados respectivamente por Marcelo Tosi e Carlos Parro, membros da delegação brasileira de hipismo e que competirão em Tóquio no CCE, o conjunto completo de equitação. Para ambos, o chamado conjunto cavalo/cavaleiro tem um protagonista.

– Eu acho que no hipismo o cavalo é o atleta principal, ele é 70% do conjunto, mas temos que fazer nossa parte, os dois têm que fazer a parte, mas o cavalo é 70% – explicou Tosi.

– Por ele ser o atleta principal, ele é muito bem tratado, a gente faz um monitoramento muito grande nos últimos meses [antes das Olimpíadas] da condição do cavalo, exame de sangue regular pra ver nível de proteína, glóbulos vermelhos, tudo isso, durante o treinamento todo eles fazem monitoramento cardíaco pra gente saber quanto estão preparados, então nós também somos atletas, não vou dizer que não, o cross, por exemplo, cansa muito, a gente perde 2kg durante o cross, mas o cavalos não se preparam sozinhos e como eles não falam, a gente não sabe o que acontece, então tem que fazer esses exames – complementou Carlos Parro.

E como os cavalos são as estrelas do hipismo, há um longo processo de preparação durante a carreira desses animais para que eles possam competir com os melhores do mundo.

– O cavalo começa a competir a partir de 4 ou 5 anos. Tem a rotina diária na cocheira, trabalhado seis vezes por semana, participa de competições menores pra ir pegando maturidade, tem que dar esse tempo pra que ele consiga chegar a essa maturidade. O cavalo demora um pouco pra se formar, seis anos pra preparar, dez anos ele está no auge e chega até os dezesseis anos – esclareceu Marcelo Tosi.

Mas além de toda essa preparação necessária, existe o componente especial para completar o “conjunto”, que é o entrosamento entre cavalo e cavaleiro.

– Cada um tem um feeling do animal e o animal começa a gostar da gente, reconhece voz, reconhece gestos e você fala mais firme, mais manso, ele sabe a hora que você está agradando, a hora que você está educando ele, então tanto na hora que está montado, quanto no chão, ali na cocheira, a gente tem uma relação e não só na hora de montar, dentro da cocheira também, no corredor, na hora de escovar, dar ração, dar o banho, ferrador, veterinário, é uma relação que a gente adquire que lá na frente, numa competição, a gente passa a conhecer melhor o animal e ele a gente. Não é uma máquina, o cavalo é um ser vivo, precisamos conhecer ele bem e ele conhecer a gente – comentou Tosi.

– Eu posso pegar o melhor cavalo do mundo, ser o melhor cavaleiro do mundo, se eu não tiver esse conhecimento do cavalo, outro cavaleiro que tenha mais conhecimento do dele pode ganhar de mim mesmo assim, porque ele tem essa vantagem. Esse cavalo que eu monto [Goliath], eu estou com ele desde os três anos, ele tá com dez anos, então faz sete anos que eu monto ele, todos os anos, todas as competições, todos os dias, eu sei que o dia e a hora que eu pedir pra ele fazer um movimento de lateral, eu sei o que é preciso – complementou Parro.

Assim como os cavaleiros Marcelo Tosi e Carlos Parro, Genfly e Goliath desembarcaram em Tóquio no começo dessa semana e enfrentaram uma maratona até chegar ao local dos Jogos Olímpicos.

– Precisa fazer uma quarentena, pra ver se os cavalos não estão levando nada que o Japão não tenha. Então durante essa semana têm exames de sangue quase todos os dias pra ver várias doenças. Quando um cavalo viaja de avião, é num cargueiro com outras cargas, num container que cabem até três cavalos. Nas Olimpíadas, eles alugam dois aviões e colocam todos os cavalos juntos, são dois aviões com 150 cavalos dentro, um tratador e um veterinário pra cada três cavalos. Os cavalos viajam bem, eles estão acostumados a viajar de caminhão e barco. Depois que chegam, tem um dia de descanso, saem pra caminhar, comer grama e relaxar um pouco, aí depois voltam a trabalhar normalmente – diz Carlos Parro.

Quem monta e quais as chances nos Jogos?

Tosi e Parro são cavaleiros experientes e já disputaram as Olimpíadas. Eles fazem parte de uma geração que tem ajudado o Brasil a melhorar no CCE desde que o país voltou a participar da modalidade, em Barcelona, em 1992.

Aos 51 anos, Marcelo Tosi disputará os Jogos pela quarta vez. Já esteve em Sidney, Pequim e Londres. Ele nasceu em Piracicaba, mas cresceu em Jaboticabal, distante 57,7 km de Ribeirão Preto. Os cavalos já estão na vida dele desde a infância.

– Meu pai criava cavalo de esportes e criou uma escola de equitação na universidade (Unesp) nos moldes europeus. Tinha um instrutor que dava aulas, as pessoas tinham acesso e comecei a montar lá aos quatro anos e o sonho de competir foi só crescendo, tinha esse sonho de fazer algo maior desde criança – revelou Tosi.

Parro competiu em Sidney e no Rio de Janeiro. Ele está com 42 anos e mora na Inglaterra há mais de 20. Na Europa, conseguiu a estrutura para viver do hipismo, que ele conheceu quando criança, na Festa do Cavalo, em Colina, cidade onde nasceu e que está localizada no interior paulista, a 103 km de Ribeirão Preto.

– Meu avô tinha uma fazendinha perto de São Paulo e a gente passava férias lá e ele tinha um cavalo e eu e meus irmãos montávamos bastante e um dia num leilão na Festa do Cavalo, ele comprou um cavalo pra gente. Assim começou, lá no interior a gente começou fazendo hipismo rural, que é uma modalidade especificamente brasileira, não tem em mais nenhum lugar do mundo, aos poucos mudamos para o CCE, com 14 anos já montava quase como profissional, competia muito, viajava bastante. O polo em Colina é grande, o hipismo lá é muito grande, sempre tem um cavaleiro nas Olimpíadas. Com 17 anos mudei pra Inglaterra pra treinar e melhorar um pouco e aí eu descobri que se eu quisesse fazer melhor eu teria que mudar pra Inglaterra [em definitivo], no Brasil não teria como, não tem competições suficiente pra fazer o esporte no Brasil – disse Parro, que detalhou os problemas estruturais da modalidade em nosso país.

– Falta praticamente tudo, falta investimento de todos os lados, da Confederação Brasileira de Hipismo, do Comitê Olímpico Brasileiro, não existe nada. Não tem formação de base, incentivo a cavaleiros jovens, então muitos que são bons vão fazer outras coisas porque percebem que não vão ter como [continuar]. No Brasil tudo fica pra última hora, a Confederação só corre atrás no ano olímpico pra qualificar todo mundo. Dizem que o esporte não tem medalha e aí não investem, é sempre uma correria – desabafou.


Diante dessa realidade, as chances de uma medalha do CCE em Tóquio são remotas. A prova é conhecida como um triatlon do hipismo, com adestramento, cross-country e saltos. Eles competem nos três estilos e têm suas notas somadas no final.

– Existem seis países que investem muito pesado neste esporte: Inglaterra, Alemanha, Estados unidos, Austrália, Nova Zelândia e França. O Brasil entra no segundo escalão, existem quatro países do nosso nível, já houve países de segundo escalão que medalhou, não é impossível, já ganhamos individualmente desses países. Jogos Olímpicos são num fim de semana só, tem que dar tudo certo – disse Carlos Parro.

– Eu (Marcelo Tosi) e o Carlos Parro somos os cavaleiros titulares e somos mais experientes, meu cavalo é um pouco mais experiente, o do Carlos é médio experiente, mas é um cavalo que está pronto para as Olimpíadas. Temos o Rafael Losano, que é um cavaleiro jovem, esteve no Pan, já mora há seis anos na Inglaterra, muito bom, conjunto bom. Sabemos das nossas dificuldades e de treinamento até, porque esse ciclo que tivemos não foi bom, infelizmente não tivemos suporte de treinamento e competição no Brasil como tivemos no ciclo passado, então isso limita nossa preparação e qualidade em chegar numa Olimpíada, mas sempre estamos buscando resultados melhores, vamos tentar apertar e nos superar, temos isso mente, pra conquistar o melhor resultado para o Brasil – afirmou Tosi.

Os dois cavaleiros estarão em ação nos Jogos Olímpicos nos dias 30 de julho, 1º e 2 de agosto. Com a aproximação da estreia, a ansiedade aumenta, mas a experiência ajuda a controlar às vésperas do maior evento esportivo do mundo.

– Acho que Olimpíada é a competição maior que tem, a gente fica muito contente, é gratificante estar na equipe do Brasil de novo. Temos sorte que no hipismo podemos competir com um pouco mais de idade, chegar com um pouco mais de experiência, é uma oportunidade legal. É uma modalidade onde homens e mulheres estão juntos, competindo de igual pra igual. Nós falamos que o hipismo é um esporte que não tem segunda chance, no futebol você toma um gol e corre atrás, no hipismo você tem uma falta perde tempo e não tem como voltar atrás, é difícil, mas a experiência ajuda muito – finalizou Marcelo Tosi.

– Estamos melhorando a cada ano, tentamos progredir, estando aqui, conseguimos enxergar o que falta, onde precisa melhorar, a cada ciclo melhoramos um pouco e chegamos mais perto. Existem alguns cavaleiros que não qualificaram e poderiam ser um acréscimo na equipe, mas isso acontece, às vezes, o cavalo se lesiona e o cavaleiro fica fora, como o Brasil não tem muitos cavaleiros em nível bom, quem entra acaba estando um pouco atrasado e isso prejudica, mas acho que os três conjuntos que chegaram têm condições de fazer bons resultados – concluiu Carlos Parro.

Video : https://globoplay.globo.com/v/9707078/

Fonte: Globo Esporte

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