A paixão por cavalos e torná-los fiéis parceiros no hipismo é uma tradição na família de Rodolpho Riskalla. O paulistano, de 37 anos, segue os passos do avô e da mãe Rosangele, que também é juíza de adestramento e hoje é sua técnica. Ela é o olhar atento ao desempenho do herdeiro na disputa do evento paraequestre em Tóquio. O ginete conta também com o apoio da irmã, a amazona Vitória Riskalla. E teve ainda o suporte do treinador alemão Holga Finkeen.
Seu foco é a inédita medalha de ouro na Paralimpíada nipônica. Na sua bagagem, leva entre conquistas e prêmios: duas medalhas de prata nos Jogos Equestres Mundiais de 2019, realizados em Tryon (EUA). Além de ter sido eleito cavaleiro paralímpico em 2018 e 2019 pelo Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB). E agraciado pela FEI (Federação Equestre Internacional) com a láurea Against All Odds (prêmio contra todas adversidades) em 2016.
Além destes atributos, acumula experiência de já ter disputado os Jogos do Rio há cinco anos – ficou em décimo lugar no individual e foi sétimo por equipe. Ele, que já participou de provas do hipismo convencional, pertence ao grau 4 (classificação funcional de atletas com deficiência severa dos membros superiores, deficiência moderada nos quatro membros ou baixa estatura). No ranking da FEI ocupa a vice-liderança do Grupo 4 e é o 11º lugar na classificação geral.
Foi na infância, aos oito anos, que deu start no esporte ao conhecer o estilo clássico na Hípica Santo Amaro, na zona Sul da capital paulista.
Além de Rodolpho, o Brasil terá outro candidato ao prêmio máximo: o experiente Sergio Oliva, dono de duas medalhas de bronze obtidas em 2016, nos Jogos do Rio. O brasiliense, de 39 anos, participa da terceira Paralimpíada. Havia se igualado a outro cavaleiro do Distrito Federal, Marcos Alves, o Joca, que conquistou dois bronzes em Pequim-2008. Oliva, que é servidor do TJDFT, ocupa o 16º lugar no Grau IA e 57º no ranking geral. Sua montaria é um cavalo da raça warmblood, da Letônia.
Já a grande favorita a levar ouro, Sophie Christiansen, de 33 anos, da Grã-Bretanha, decidiu não competir. Oito vezes campeã, ela desistiu devido ao problema veterinário em seu cavalo Inuendo III. Com paralisia cerebral, a europeia, que é do grau IA (cadeirantes com pouco equilíbrio de tronco/debilitações em membros ou nenhum equilíbrio do tronco e bom funcionamento em membros superiores), será substituída pela estreante Georgia Wilson, de 25 anos, com experiência de medalhas no campeonato europeu.
Riskalla e Oliva estarão na modalidade cuja peculiaridade é ter homens e mulheres competindo juntos nos mesmos testes sem distinção. Outros detalhes do evento ficam por conta das pistas de areia, ao contrário das convencionais. São compactadas para facilitar a acomodação dos paratletas, além de cartas de posicionamento maiores. E utilização de sinais sonoros para orientação quando de competidores cegos. A modalidade reunirá 78 competidores de 27 países em disputas no Baji Koen Equestrian Park
O êxito nacional pode valorizar as estatísticas do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), que espera figurar entre os 10 melhores nos jogos e, até com possibilidade de superar o oitavo lugar conseguido no Rio de Janeiro. Na época faturou 14 medalhas de ouro, 29 de prata e 29 de bronze.
Reviver
No entanto, até chegar ao atual momento que lhe dá destaque no Time Brasil, Riskalla revela história que transcende a resiliência. Ele seguia uma vida normal quando em 2015 foi acometido por uma meningite bacteriana [geralmente transmitida de pessoa a pessoa, por meio das vias respiratórias por gotículas e secreções das vias aéreas superiores (nariz e garganta)]. A infecção provoca inflamação do tecido que envolve o cérebro e a medula, causada por uma bactéria como a Neisseria meningitidis. Dura cerca de 20 dias e pode deixar sequelas. Esta meningite é considerada mais grave pela infecção que pode ser temporária ou permanente.
Ele ficou em coma por três semanas no hospital e já na Europa teve a parte inferior das duas pernas, mão direita e dedos da mão esquerda amputados. Faz uso de prótese. Após o susto, adotou a palavra adaptabilidade. Menos de um ano depois do que sofrera competiu na Paralimpíada no Brasil. E dois anos mais tarde, chegaria às conquistas nos Jogos Mundiais Equestres em solo norte-americano.
O paratleta morou na capital da França e é funcionário da suntuosa grife de moda Christian Dior. Atua no bureau de eventos organizando exposições de artes. Viveu dez anos na cidade-luz, mas trocou de país: agora está na Alemanha. Motivo: seus cavalos ficam em Aachen e tiveram de cumprir a quarentena obrigatória para animais antes da viagem à terra do sol. São duas montarias, os hanoverianos (animais de origem alemã, altos, robustos, criados entre outros para a prática de hipismo e equitação) são irmãos, Don Henrico e Don Frederic.
No Japão, vai competir com Don Henrico, de 18 anos, que pertencia a ex-amazona olímpica Ann Kathrin Lisenhoff, medalha de ouro em Seul-1988).
Yahoo Esportes – Após a meningite você teve de se adaptar para competir?
Rodolpho Riskalla – Comecei a competir na infância pelo hipismo convencional. Depois da meningite tive maior dificuldade, mas fui compensando com outras alternativas. Por exemplo, a força das pernas com mais acento. O comprometimento da mão direita me levou a usar a mão esquerda.
Você sofreu preconceito pela condição que passou a ter?
Se sofri, nunca dei “trela”. Talvez tivesse dificuldade na acessibilidade quando andei de cadeira de rodas. Não dava atenção para nada. Mas quem sofre deve se manifestar. Talvez o problema apareça por desinformação. Por outro lado, participar dos Jogos Paralímpicos mostra que somos “eficientes”.
O surgimento da pandemia o atrapalhou?
A pandemia em si não. Ficava sim angustiado se a Paralimpíada seria ou não confirmada. E também para cuidar da logística de meus cavalos que estão na Alemanha.
Como foi sua classificação para disputar os Jogos Paralímpicos?
A partir de 2019 com a qualificação pelo ranking mundial.
Na segunda participação em Jogos, quais são as expectativas?
No Rio de Janeiro cheguei a sétimo por equipe e décimo individual. Acredito em medalha, pois venho de bons resultados especialmente no Mundial nos EUA, com duas conquistas de prata.
Você trabalha na grife de moda Christian Dior, não é?
Sim, com obras de arte contemporânea. A empresa é na França onde já vivi. Hoje moro na Alemanha e é possível trabalhar em home-office.
Você tem ídolos na modalidade ou esporte?
Sim, admiro o trabalho da alemã Isabell Werth [hepta campeã olímpica no adestramento]. Além do que é feito em alto nível por dois treinadores de vôlei do Brasil: José Roberto Guimarães e Bernardinho.
Quais serão seus maiores adversários nos Jogos?
Os mesmos do Mundial. Uma holandesa e representantes dos Estados Unidos, Bélgica e Dinamarca na minha categoria.
Fonte: Yahoo Esportes